Produções cinematográficas nacionais ganham destaque na maneira de representar o país e o povo, mas ainda são pouco valorizadas
Pouco tempo após a invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, em 1895, ocorreu a primeira sessão de cinema da história do país, no Rio de Janeiro, em 1896. Uma série de filmes curtos que retratavam o cotidiano nas cidades europeias eram exibidos. A inauguração das telonas no Brasil se tornou o ponto de partida para a história do cinema nacional.
Ao longo das décadas, as obras cinematográficas brasileiras acompanharam os diferentes períodos históricos – moldando-se através da cultura, da economia e do contexto social. Nesse cenário, o cinema nacional enfrentou, também, períodos de enfraquecimento e estagnação, principalmente por motivos políticos.
Victor Russo, crítico de cinema, aponta três principais “divisores de águas” na história do cinema brasileiro: o Cinema Novo, o Cinema Marginal e as chanchadas. Inspirado no neorrealismo italiano, o Cinema Novo faz parte de um movimento intelectual que propõe questionar a realidade da sociedade do país, mesmo em um período de ditadura militar.
O Cinema Marginal, por sua vez, é marcado pela produção de filmes radicais e extremistas, seguindo a ideologia da contracultura, com o intuito de ressaltar as incoerências do país. Enquanto isso, as chanchadas eram musicais com foco no humor ingênuo e popular, indo na contramão dos movimentos anteriores.
Russo aponta que outro marco para a história do cinema brasileiro é a destruição da Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) no governo Collor
“O mercado brasileiro, mais uma vez, é tomado pelos interesses hollywoodianos. O Brasil fica praticamente sem fazer filmes, até o período da retomada”, explica o crítico.
Entretanto, ainda que o setor passe por muitos atrasos e seja injustamente desvalorizado, o catálogo de filmes brasileiros é rico e valorizado no mundo todo. Lançado em 1998, “Central do Brasil” foi a obra que inseriu o país, definitivamente, no circuito cinematográfico mundial durante a retomada, período que marca o reinício do cinema brasileiro em meados da década de 90. “A retomada é importante para trazer o público de volta, ao mesmo tempo que é muito criticada por não fazer mais um cinema esteticamente brasileiro, mas adotar um certo americanismo. Inclusive, é o momento que o cinema brasileiro mais será abraçado no Oscar”, completa o fundador da 16 milímetros.
Das telas para o zine
Aficionados por cinema, a equipe responsável pelo Drive-In, zine sobre cinema dos anos 80 desenvolvido pelos alunos de Jornalismo do Centro FAG, de Cascavel, fala sobre a produção cinematográfica nacional em seus trabalhos. Lucas Lobo, líder do projeto, conta que abordar o cinema nacional é essencial, principalmente levando em consideração a qualidade das obras e o que nelas é abordado.
No entanto, Lucas não acredita que o cinema brasileiro é valorizado da forma como deveria. “O cinema brasileiro é desvalorizado pois assim foi imposto que fosse. O mercado estadunidense dita nossas salas e dita ao mundo o bem-fazer cinematográfico como única possibilidade. Estamos, hoje, à mercê de uma estética que não é nossa”, revela o acadêmico de Jornalismo.
Mateus de Oliveira Dias e André Felipe, integrantes do projeto, compartilham da mesma opinião de Lobo. Para Mateus, porém, “existem filmes muito bons, mas virou um grande produto repetitivo, a qualidade ficou de lado nesse processo”. André destaca que o cinema se desvalorizou, em parte, por conta própria. “No Brasil, a arte é subvalorizada pelo brasileiro”, explica.
Também no Drive-In, Eduardo Tomé acredita que “lá fora as obras brasileiras ganham destaque devido à forma como são contadas, mostrando a cultura e o cotidiano da vida do brasileiro de maneira realista e abordando temas sociais”.
Após um semestre de trabalhos envolvendo pesquisas sobre filmes, os quatro acadêmicos não deixaram de compartilhar suas indicações de obras nacionais. Eduardo traz como destaques “Tropa de Elite” (2007) e “Cidade de Deus” (2002), enquanto Mateus apenas adiciona à lista “Central do Brasil”. André repete a primeira obra e cita “O Homem Que Copiava” (2003). Por outro lado, Lucas Lobo indica “Rio, Zona Norte” (1957).
Crítica nua e crua
As produções audiovisuais do Brasil conquistaram maior reconhecimento, sobretudo, pela riqueza de críticas e detalhes trabalhados em cena. “Macunaíma” (1969), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, é um dos exemplos de produções que simbolizam a cultura brasileira, levando nomes como Grande Otelo, Paulo José e Milton Gonçalves. “O diferencial do cinema brasileiro é, acima de tudo, a sua forma de representar o Brasil e o brasileiro”, esclarece Victor Russo.
O fotógrafo Fábio Conterno explica que a lente de uma câmera nada mais é que a extensão do olhar de quem a carrega – olhar este que está carregado de referências construídas ao longo da vida. Logo, as críticas sociais dos filmes vêm através da nossa visão de mundo, de como observamos e entendemos aquilo que está ao nosso redor.
“Esta crítica social nas grandes telas reflete muito da realidade brasileira, com distribuição de renda injusta, exploração do trabalhador e a luta de classes, isto é fato, e muitos cineastas conseguem transpor este olhar, esta condição de uma maneira muito realista. [...] Quando se alia de uma forma muito particular e bastante assertiva o roteiro, a trilha sonora e a fotografia, a produção por completo é sempre muito boa”, completa Conterno.
“O Beijo da Mulher Aranha” (1985) é uma das obras cuja fotografia é tida como interessante para o fotógrafo, assim como “Cidade de Deus” e “Bacurau” (2019). “Gosto muito de ‘Terra em Transe’ (1967) e ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (1964), ambos de Glauber Rocha, pela proposta deste rompimento com padrões que o Glauber propunha”, enaltece Fábio.
O crítico de cinema, por sua vez, segue uma linha de raciocínio semelhante à de Fábio Conterno.
“Hoje em dia, tem se rompido a linha da ficção e do documentário muito bem para representar esse país de forma mais crua”.
Conterno ressalta que as obras cinematográficas nacionais ainda são pouco valorizadas pelo próprio povo brasileiro, e a visão preconceituosa acerca da qualidade das produções feitas no país perdura há décadas. No entanto, devido ao avanço da internet, a situação parece estar mudando – ainda que vagarosamente –, uma vez que conteúdos sobre o tema chamam a atenção de um novo público.
Clássicos do cinema nacional denunciam a realidade revoltante em diversos cenários do Brasil e, até os dias de hoje, são pautas atuais. A fotografia e o roteiro, construídos de maneira bruta e real, esboçam com riqueza de detalhes os retratos da sociedade.
Reportagem belamente escrita sobre um tema de extrema relevância! O cinema nacional é rico e precisa ser mais valorizado. Acredito que, com este texto, a mudança será impulsionada na vida de quem o leu.
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Parabéns pela a ótima reportagem juuh 👏👏👏
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Cada vez que leio, me encanto mais!