Com 131 títulos publicados, a série contribuiu para criação do hábito da leitura do público infantojuvenil
Há cerca de meio século, uma série de livros infantojuvenis começou a fazer muito sucesso entre crianças e adolescentes do Brasil – era a Coleção Vaga-Lume, que publicava histórias de aventura altamente cativantes com toques de mistério e humor. Narrando temas variados, as mais de 100 obras publicadas conversavam diretamente com o público, que procurava identificação e leituras que fizessem relação com o que estavam vivendo naquele momento de suas vidas.
Justamente por abordar discussões de acontecimentos da adolescência e início da juventude, conflitos familiares e questões relacionadas à afetividade, os livros desta coleção atraíam o público infantojuvenil. Nas décadas entre 1970 e 1990, a série colecionou milhares de fãs, como se fossem os próprios livros em uma estante de admiradores.
Além das obras voltadas ao público infantojuvenil, a série Vaga-Lume Júnior traz outros 25 livros direcionados exclusivamente ao público infantil. Neles foram usados textos mais breves, fontes maiores e ilustrações chamativas.
O Amor e Outros Perigos
A psicóloga Ana Maria Muxfeldt, de 41 anos, que é uma leitora assídua até hoje, é exemplo da conexão com os livros e teve o hábito de leitura completamente influenciado pela série. Aos 11 anos de idade, ela teve contato pela primeira vez com as páginas dos livros da Vaga-Lume através de um tio que era professor de Língua Portuguesa e, após a morte, deixou sua coleção completa à disposição da família.
“Eu sempre fui influenciada pelos meus pais e gostava de ler, mas a Coleção Vaga-Lume me marcou muito, pois foi com esses livros que eu criei o hábito de leitura. A maioria dos livros contava histórias de crianças ou adolescentes fazendo alguma coisa e isso atraia esse mesmo público. Eles falavam a linguagem das pessoas daquela idade”, relata a psicóloga.
Em adição ao sucesso entre os jovens, a série se tornou material de apoio didático de escolas em todo o país. Inclusive, chegou a ter obras adaptadas para produções audiovisuais, como é o caso de “Éramos Seis” – telenovela brasileira produzida pela TV Globo e transmitida originalmente entre 2019 e 2020, em 154 capítulos.
Os primeiros volumes foram lançados a partir de janeiro de 1973 pela então Editora Ática, completando assim, 50 anos de existência em 2023. Ao longo das décadas, a Coleção Vaga-Lume publicou ao todo 106 títulos de diversos autores, sendo o primeiro deles "A Ilha Perdida” (1973), de Maria José Dupré, e o último “Os Marcianos” (2021), de Luiz Antônio Aguiar.
Os títulos não ficaram conhecidos nacionalmente apenas por retratar a realidade de crianças e adolescentes, mas também pelo seu poder de fazer com que os leitores não conseguissem se desvencilhar das histórias narradas. Entre linhas e parágrafos, todos os livros da Vaga-Lume têm uma trama com um segredo a ser desvendado. Ao descrever todas as aventuras dos personagens, desafios enfrentados, discussões e mistérios solucionados, as narrativas agarravam os leitores de uma forma sem igual.
“O primeiro livro que eu li da série foi ‘O Escaravelho do Diabo’, e marcou muito até hoje, porque ele é um suspense que te prende do começo ao fim, e a maioria dos livros da série segue essa dinâmica”, relembra Mariana Rosa, de 27 anos.
Amante ímpar de obras literárias, a jovem Mariana atualmente trabalha no negócio da família – a Livraria & Sebo Arca, no Centro de Cascavel –, coincidindo com o que mais a atrai: a literatura. Ao relembrar das memórias e leituras da infância, ela ressalta a dificuldade de encontrar títulos da Coleção Vaga-Lume nos dias de hoje, anos após o lançamento dos primeiros títulos. “Eles não chegam aqui com muita frequência, pois acho que quem tem acaba não se desfazendo”, explica.
Crescer é uma Aventura
Após mais de uma década sem lançamentos, por questões de gestão e troca de editora, em 2020 novos livros passaram a ser publicados para integrar a Coleção Vaga-Lume. Naquele mesmo ano, saiu "Ponha-se no Seu Lugar!", que conta a história de Lucas, um menino que certo dia acordou sem o nariz e tenta descobrir o que aconteceu com ele. Logo em seguida, em 2021, veio “Os Marcianos”, de Luiz Antônio Aguiar, onde o cenário em destaque é o planeta Marte, que agora é a nova casa da humanidade.
Alguns anos antes, em 2015, os livros da Vaga-Lume foram relançados pela editora Somos, dona da Ática. Atualmente, quase todos os títulos são comercializados em livrarias físicas e digitais. Entretanto, para os fãs das edições mais antigas, é possível encontrá-los apenas nos sebos – nome dado às livrarias que comercializam ou fazem a troca de livros usados.
Mesmo este tipo de comércio sendo uma das opções mais certeiras, encontrar alguma das primeiras edições disponível não é uma tarefa simples. Até porque, “quem tem, não quer abrir mão”, conforme explica Paulo Tadeu Miranda, proprietário do Sebo do Paulinho, situado no Centro de Cascavel.
Ao falar sobre a Coleção Vaga-Lume, pode-se dizer que existe um certo saudosismo: a criança dos anos 70-80-90, que leu as histórias no passado, valoriza as obras imensamente e quer passá-las para os filhos ou seus descendentes, quer contar as histórias, que os mais novos leiam e também conheçam a série. Assim, a troca ou venda dos exemplares fica complexificada.
“Hoje em dia, não lançam mais livros novos. Por isso, as pessoas precisam dos sebos para conseguir encontrar os exemplares. Aqui [no Sebo do Paulinho] tem mais procura do que oferta. Quando aparece algum exemplar, são livros judiados, que foram manuseados e bastante usados”, detalha Paulinho.
Os seguintes comentários calorosos sobre a Coleção Vaga-Lume foram compartilhados em um fórum na internet, e são exemplos do impacto que as obras tiveram na vida de tantos leitores:
“Série Vaga-Lume me fez gostar de leitura e isso abriu um mundo de oportunidades. Que as novas gerações tenham esse privilégio”, Wallison Silva.
“Saudades! Eu lia as mesmas páginas que meus primos mais velhos liam”, Luis Santiago.
“Tomei amor pela leitura a partir dessa coleção. Que saudade!”, Marcela Carvalho.
“Lendária coleção! lembro do fascínio ao ler O Escaravelho do Diabo, aos 10 ou 11 anos”, Tiago Marcon.
“Conheci a série Vaga-Lume ao ler A Ilha Perdida, recomendação de uma professora de Língua Portuguesa, na 4ª série em 1984. Depois não parei mais. Devo ter lido mais de 70 livros de toda a série, sendo Marcos Rey meu autor preferido. Lamento não haver uma continuação dos livros”, Valdir Silva.
Deus me Livre!
Na época de lançamento da Coleção Vaga-Lume, não haviam muitas produções literárias brasileiras direcionadas para crianças, por isso, ela acabou fazendo tanto sucesso. “Foi através desses livros que vieram outras séries. Ela praticamente ‘fez o gol de placa’ em questão da literatura infantojuvenil”, defende Paulo Tadeu.
Até 2021, superou oito milhões de exemplares vendidos, incluindo volumes como "O Mistério do Cinco Estrelas", de Marcos Rey, "A Ilha Perdida", de Maria José Dupré, "A Turma da Rua Quinze", de Marçal Aquino, e "Meninos Sem Pátria", de Luiz Puntel.
Em contrapartida a esse cenário de grande sucesso, hoje, os títulos lançados até o final dos anos 1980 são considerados clássicos. Tais livros que eram produzidos em grande escala na época, agora não são mais tão procurados, devido ao surgimento de outros tipos de literatura no mercado nacional.
Outra motivação de tal queda é que os livros não mais atraem as crianças contemporâneas. Com a ascensão das telas, o mundo digital e produções recheadas de imagens prontas e pixeladas, as habilidades imaginativas são reduzidas e a literatura que exige o esforço da imaginação se tornou descartável. “Hoje em dia as crianças ficaram com horizontes de imaginação limitados. Você reduz a imaginação da criança, e a capacidade dela pensar e criar ambientes, imagem das pessoas e o tipo de aventura que os livros narram. Infelizmente, está prejudicando e muito as crianças, e até o próprio escritor brasileiro a fazer literatura infantojuvenil”, expressa Paulinho.
Os Passageiros do Futuro
Entre passado, presente e futuro uma coisa é certa: a leitura é indispensável para o desenvolvimento das pessoas que compõem a sociedade e para a formação de senso crítico. O ato de ler, seja um livro ou até mesmo a bula de um remédio, estimula o raciocínio, melhora o vocabulário, aprimora a capacidade de interpretação, além de proporcionar um conhecimento amplo sobre vários assuntos. Ler desenvolve a criatividade, a imaginação, a comunicação e amplia a habilidade na escrita.
Com isso em mente, a psicóloga Ana Maria Muxfeldt indica: “Eu recomendo que leiam! As histórias, por mais que tenham sido escritas há décadas, são muito atuais no sentido de trazer a discussão dos acontecimentos da adolescência e início da idade adulta, conflitos familiares e questões relacionadas à afetividade”.
Portanto, é essencial que os amantes da Coleção Vaga-Lume continuem com a assídua tarefa de repassar o legado para as próximas gerações sem receio algum. Assim, novos hábitos de leitura serão criados e apreciadores de boa literatura vão se espalhar.
Texto incrível! Ele realmente consegue mostrar como a Coleção Vaga-Lume foi e ainda é importante para muitas gerações. A maneira como a história da coleção foi contada, com tantos detalhes e depoimentos, deixa claro o quanto esses livros marcaram a vida de muita gente. Parabéns por escrever de uma forma tão envolvente e por manter viva a memória dessas histórias que ajudaram a formar tantos leitores!
🖤🖤🖤
Eu não poderia esperar menos que uma escrita impecável sua, e é isso que eu li: um texto super fluido, gostoso de acompanhar e que me deixou com muita vontade de ler pelo menos um dos livros dessa coleção retrô! Suas palavras são mágicas, eu amo sua escrita num nível absurdooo!