Sete dias vivendo no meio do Oceano Atlântico deixam a vida no continente monótona. Uma crônica escrita por Amanda Enae
O Porto de Santos, em São Paulo, e o gigante do mar aguardavam os 4.200 passageiros embarcarem. O processo não foi simples, mas a ansiedade do que viria pelos próximos dias animava. Primeiro: apresentação das passagens. Recebem-se os cartões de acesso e, depois, despacho das malas – que possuem o mesmo número dos cartões para facilitar a chegada até as cabines. Então, aguardar na longa fila pelo ônibus que fará o translado da sede do Porto até a mais imponente estrutura que se navega no mar.
Quando você o vê, a emoção toma conta. Ele está pronto para partir, você sobe as escadas e passa por um túnel, escuro e longo, então se sente em outra dimensão. Com um pé direito muito alto, estava ali um enorme piano soando as mais belas sonatas. Dois lances de escadas que brilham pela quantidade de pedras Swarovski, acopladas em cada cintilante degrau. Os bares, sofás e cadeiras estão lotados, todos se encontram maravilhados e esperam por instruções.
Finalmente, quartos liberados, é hora de conhecer o local de descanso pelos próximos sete dias. Os corredores são longos e nunca se acabam, os elevadores têm tantos andares que você precisa olhar o cartão novamente para ter certeza de que é o número do quarto.
Uma curiosidade: o 13º andar não se encontra. Ele simplesmente não existe... seria uma superstição? Sim, aparentemente o número não traz sorte. Quando você está no meio do Oceano Atlântico e tem apenas água em sua visão do horizonte, vai desejar não ser azarado.
Quarto nº 16.431. Em frente à porta, o cartão destrava a fechadura e as surpresas ainda não acabaram. A cama comporta quatro pessoas, um sofá imenso, um banheiro tão limpo e, então, no fundo do quarto, uma parede com uma cortina que vai do teto ao chão. É instinto abri-la e, quando você acha que não pode mais se surpreender, depara-se com a varanda que dá vista para o mar sem fim. Uma pequena varanda, duas cadeiras e uma mesinha trazem o ar de aconchego. Você está tão feliz por estar vivendo aquela experiência e começa a contar os minutos pelas próximas surpresas.
Enquanto todos buscam suas cabines, as malas chegam e ficam ao lado de fora da porta esperando para serem recolhidas. Toca uma sirene e uma voz masculina diz para procurar o saguão “F” para passar as instruções sobre os próximos dias em alto-mar. “Peguem os coletes no guarda-roupa e encontrem o saguão pelo mapa, que se encontra atrás da porta do quarto”, fala. Corredores sendo andados, elevadores funcionando. Saguão F.
O local nada mais é do que uma pista de boliche dentro do navio, mais um tipo de entretenimento. Diversas pessoas se juntam no espaço e fazem um círculo em volta de uma mulher, a oficial de segurança, que passaria instruções. Aprende-se a usar o colete salva-vidas e informam-se os horários para as atividades do navio. Uma boa notícia: “O navio está partindo. Olhem e apreciem o navio deixando a costa”, soa a voz do capitão. Enquanto as buzinas anunciam o início da viagem, naquele fim de tarde, o sol já começa a tingir o céu com cores amarelas, laranja, rosa e lilás. Conforme o navio deixa o continente, tudo fica cada vez melhor.
Instruções passadas, é hora de tomar banho porque no cruzeiro a magia começa às 19 horas. Se você optar por jantar no primeiro horário, irá ao teatro logo depois da refeição. Todas as noites se sucedem nesse formato, exceto pelas festas temáticas que fazem com que todos usem roupas que coincidam com a data. Por exemplo, na noite do comandante, todas as pessoas vestem roupas de gala; na noite italiana, toda a decoração fica branca, verde e vermelha. Sempre, as belezas nas ornamentações dos ambientes aguçam as percepções dos tripulantes.
O navio, durante o dia, permanece animado. As pessoas se refrescam nas piscinas e o restaurante trabalha 24 horas a todo vapor. Um espetáculo em alto-mar: o navio percorrendo as águas azuis escuras, que brilhavam pelo encontro com o sol. Spas e academia lotados, o piano no convés principal nunca ficava sozinho e não conhecia a palavra “silêncio”.
Durante a noite, os restaurantes servem o mais fino cardápio com cinco pratos que revelam a alta gastronomia e trazem pedaços do mundo todo. Já o teatro deixa no rosto das pessoas o olhar de admiração pelas cores e movimentos, garantindo que cada espectador tenha a melhor experiência a bordo.
Mas, o silêncio vem pela noite, ao percorrer os enormes corredores, que se encontram vazios, envoltos em tapetes vermelhos com detalhes dourados e cercados por uma infinidade de portas numeradas, com um cheiro peculiar que só existe em um cruzeiro. Andar no convés durante a madrugada desperta um sentimento indescritível, não há nada parecido que explique em palavras o que é olhar e não ver nada, só sentir o vento que encontra cada pedaço do meu corpo. Escutar o barulho do mar quebrando na proa do navio, ao fundo os sons das pessoas conversando, da música tocando, o som vindo da cozinha funcionando.
E como se o cruzeiro não fosse o suficiente, os passeios vêm e completam a melhor experiência que alguém poderia ter: conhecer outros locais, outras cidades e provar outras comidas. São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, as praias são bonitas e ensolaradas e as diferentes cores das areias atraem o olhar. Mas, na Bahia, em um dia com muita chuva, um homem olha para os turistas e diz: “Aqui, não chove, caem bênçãos do céu”. Simples, mas fecha com chave de ouro uma das melhores experiências da minha vida.
Vez ou outra me pego pensando em quando acordei e vi apenas o mar. O vento batia no meu corpo e o sol sempre acordava muito antes de mim. Foi em 2016, mas ainda me lembro da sensação de abrir a janela do quarto, deparar-se com a imensidão azul, brilhando quando o sol beija o mar, e sentir o cheiro de água salgada. Nesse momento, os problemas da vida cotidiana se esvaem e só é possível apreciar e desejar que as sensações em alto-mar nunca acabem.
Estar em um cruzeiro é comparável a cada festa dentro dele: nunca é igual. A cada dia, uma roupa diferente, uma comida diferente, uma sensação diferente, uma vista diferente. As sinestesias nunca foram tão afloradas. Toda vez que um novo destino de viagem é traçado, eu desejo que seja um cruzeiro novamente, pois nunca estive tão longe e tão em casa quanto naqueles dias.
Sempre tive receio de viajar no mar... mas, confesso que depois desse texto da Amanda, já quero embarcar em um cruzeiro!