“Sempre que estamos mais sensíveis emocionalmente, há uma perda dos processos conscientes. Quanto mais emoção eu tenho, menos atento eu estou”, explica o psicólogo Luiz Thomann
Era domingo, dia 18 de maio de 2014. Foi neste dia que a história de Eduardo e da sua família mudou completamente, em um grave acidente de carro. Ele estava na praça municipal de Salto do Lontra, junto com amigos e parentes, até que resolveram ir à Festa do Leite, na comunidade do Rio Varanda, em Nova Esperança do Sudoeste (PR). O carro de Eduardo era um Puma de apenas dois lugares, e o garoto deu carona para uma menina que estava com a turma, conforme relata a mãe, Siley Sbrussi.
Por ser um baile com entrada paga, eles ficaram na parte de fora, no estacionamento. Após algumas horas, já à noite, um amigo pediu carona para Eduardo, que o levou de volta para Salto do Lontra. Depois disso, ele recebeu uma ligação da garota que havia levado antes. Ela também pedia uma carona para voltar.
“Só que, chegando lá, ele perguntou por ela, mas responderam que já tinha ido embora, e ele saiu bravo de lá. Dizem que ele deu um chute no chão e falou: ‘Ah, não acredito que me fez passar por bobo, vir até aqui’. Saiu acelerado, fazendo poeira com o carro no estacionamento, e veio para casa”, explica a mãe.
A rodovia estadual PR 471, que liga Salto do Lontra a Nova Esperança, possui várias curvas e elevações, pista simples (mão e contramão) e pouco acostamento. No entanto, Eduardo conhecia muito bem aquele trajeto, pois trabalhava na cidade vizinha, em uma empresa provedora de internet, e ia para lá todos os dias.
Entretanto, isso não evitou o acidente, que ocorreu por volta das 21 horas. “Lá havia uma descida, uma curva e um refúgio, onde o asfalto termina. Não temos certeza de como foi, mas sabemos que ele saiu da pista, rodou e foi parar do outro lado no sentido contrário”, conta Siley.
Fora da estrada
Apesar de usar cinto de segurança, com a força do impacto em algumas rochas fora da pista, ele foi localizado a cerca de 10 metros do veículo. Após receber os primeiros socorros, foi entubado e encaminhado para o Hospital Regional de Francisco Beltrão com traumatismo craniano, onde ficou em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 48 dias. Permaneceu em coma induzido, e após várias tentativas falhas de acordá-lo, os médicos deram o diagnóstico: Lesão Axonal Difusa.
O pai de Eduardo, Alceu Sbrussi, conta que o diagnóstico foi impactante. “Ficamos em choque. Fomos entendendo a realidade conforme os dias passavam, mas sempre com fé de que ele iria estar bem no outro dia, porque ele não teve lesão na coluna. Mas, como os médicos disseram, essa lesão no cérebro é bem pior que a da coluna”.
Alceu relata que os médicos lhe explicaram que, se seu filho estivesse sob efeito de drogas ou álcool, seu subconsciente não lutaria por sua vida.
“No dia 18 ele foi internado, e no dia 22 ele completou 19 anos”.
Consequências
Parte fundamental que compõe o sistema nervoso, o axônio é responsável por transmitir as informações de um neurônio para outro. Conforme explica o neurologista Dr. Leandro Pelegrini, “é onde passa a nossa corrente elétrica cerebral”. Através dele, o ser humano realiza funções motoras (movimentos musculares, como: correr, arremessar, equilibrar-se, entre outros) e cognitivas (memória, aprendizado, fala, atenção, etc.).
A Lesão Axonal Difusa pode ocorrer como consequência de um traumatismo craniano. “Quando existe uma lesão neste axônio, acaba que essas funções, que seriam básicas do nosso comportamento humano, se dão de maneira um pouco diferente”. E isso pode variar de acordo com o grau de gravidade da lesão. De forma mais leve, o paciente pode sofrer pequenas alterações durante o internamento logo após o trauma, “ou pode ser grave, com a pessoa apresentando algumas sequelas. Dificuldades cognitivas, de comportamento, dos mais variados graus possíveis, dependendo da quantidade de axônio que é lesionado”, complementa Leandro.
Consequentemente, o tipo de tratamento do paciente também varia e pode envolver psiquiatras, fisioterapeutas, entre outros especialistas. Pelegrini ressalta que o neurônio é uma célula que, quando perdida, não é possível regenerá-la. Portanto, é preciso lidar com as sequelas desse tipo de lesão. “A grande questão não é nem a sobrevivência, mas como a pessoa vai se apresentar depois do trauma. Muito grave seria o paciente não conseguir acordar e ficar em coma vegetativo”, afirma o doutor.
No caso de Eduardo, a lesão foi grave. Mesmo assim, seus pais não perderam a esperança. “Ele tem melhorado bastante desde que chegou. Ele era totalmente espástico (musculatura contraída), as pernas eram duras e chegavam a fazer um ‘x’, ninguém dobrava a perna dele”, conta Sirley.
A alimentação e a ingestão de medicamentos são realizadas por sonda gástrica, pois Eduardo não consegue movimentar direito o maxilar. Quando ele saiu da UTI e foi para casa, seus pais ficavam 24 horas por dia cuidando dele e fazendo a aspiração da saliva, pois ela poderia ir para o pulmão e causar uma broncoaspiração. “Ele rangia os dentes até travarem, e nós tínhamos que pegar uma ‘tesourinha’ para abrir a boca dele e fazer a higiene”.
A mãe fala ainda sobre a fé: “Eu digo que Deus me tornou psicóloga, fisioterapeuta e enfermeira, porque a vida me ensinou muito. Eu acredito muito no Espírito Santo, porque ele tem me orientado bastante”. A recuperação é gradativa. Porém, de acordo com ela, Eduardo mudou bastante.
“Quem nunca viu o Eduardo vai dizer ‘Meu Deus, essa mãe é louca de dizer que esse filho está bem’, mas a gente viu o jeito que ele chegou em casa”.
Psicologia na prevenção
O psicólogo e especialista em Psicologia do Trânsito, Luiz Thomann, explica que a maioria dos acidentes ocorre por desatenção, e o que causa isso, muitas vezes, é estar emocionalmente desequilibrado ao conduzir um veículo. “A atenção é um processo de consciência. Já as emoções são um processo químico e hormonal de resposta do nosso organismo frente às situações de perigo, tensão e estresse. Então, sempre que estamos mais sensíveis emocionalmente, há uma perda dos processos conscientes, como é o caso da atenção. Quanto mais emoção eu tenho, menos atento estou”, elucida.
Aliás, não dirija se estiver com raiva ou triste. Esta é a conclusão de uma pesquisa publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). O estudo foi realizado pelo Instituto de Transportes Virginia Tech, nos Estados Unidos (EUA), com a análise de 905 acidentes. Os veículos eram equipados com câmeras, radares e sensores.
De acordo com o resultado, fatores ligados ao estado emocional do motorista, como fadiga e distração, estavam presentes em cerca de 90% dos acidentes. Apesar das chances serem menores se comparadas com a direção sob efeito de drogas ou em alta velocidade, estar emocionalmente abalado aumenta o risco de colisão em aproximadamente 9,8%.
Se for o caso de dirigir mesmo com as emoções à flor da pele, Thomann reforça a importância de aprender técnicas de psicoterapia, como a respiração e reestruturação cognitiva, para identificar quais são as emoções e pensamentos.
“O motorista precisa aprender a lidar com isso de alguma forma. Medicamento não ajuda, é psicoterapia. Se mesmo assim ele precisa dirigir, assume o risco de fazer isso”.
O psicólogo também comenta que as ações de conscientização no trânsito não devem se limitar somente ao não consumo de bebida alcoólica antes de conduzir, uso de celular ou excesso de velocidade, mas também ao estado mental dos motoristas. “Um dos principais fatores que geram morte é a emotividade, muita sensibilidade. O adulto não pode ser demasiadamente sensível”.
Sirley acredita que o amor é recíproco, que é necessário pensar no outro para não cometer atos imprudentes.
“Sabemos que o Eduardo saiu daquela festa bravo, porque foi enganado para voltar até lá, mas se ele estivesse mais focado, de repente podia evitar muita coisa”, conclui.
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