Pressão psicológica para atingir estereótipos estéticos irreais impacta negativamente a saúde mental de jovens e adultos
A busca incessante por corpos “ideais”, carreiras de sucesso e uma vida aparentemente perfeita exerce um fardo pesado sobre as mentes e os corações das pessoas. No entanto, por trás das postagens brilhantes e dos sorrisos forçados nas redes sociais, muitos lutam silenciosamente contra a ansiedade, a depressão e a sensação avassaladora de inadequação.
A pressão social gerada pela mídia e pelos padrões de beleza influencia a percepção que o indivíduo tem sobre si mesmo e sua autoestima. As redes sociais se tornaram grandes propagandas para tratamentos estéticos. De acordo com a Royal Society for Public Health, o Instagram foi avaliado como a rede social mais prejudicial para a saúde mental dos jovens. Em contrapartida, no início de 2021, a ISociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) realizou uma pesquisa que mostrou que o TikTok também vem prejudicando a saúde mental dos usuários.
De acordo com dados mais recentes da ISAPS, em 2023, foram realizadas três milhões de intervenções cirúrgicas estéticas no Brasil. Nos últimos anos, o aumento da procura por procedimentos estéticos foi de 140% entre garotas de 13 a 18 anos, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
Atualmente, as relações entre as pessoas estão cada vez mais efêmeras e a aparência tornou-se um importante elemento de julgamento nas interações sociais. O comportamento é estruturado no que é considerado mais ou menos belo. Assim, a beleza passa a ser um valor social que pode garantir sucesso ou fracasso, tanto nas relações interpessoais quanto na vida profissional.
As mídias sociais criam filtros que permitem que as pessoas apareçam nas telas de uma maneira diferente da realidade. Grande parte desses efeitos distorce a aparência: afinam o nariz, aumentam a boca e até mudam a cor dos olhos. Uma pesquisa de 2017, feita pela Academia Americana de Cirurgiões Plásticos, revelou que 55% das rinoplastias realizadas foram com a intenção de “sair bem em selfies”. Se antes as cirurgias eram para se sentir bem na "vida real", hoje isso não é mais recorrente.
Nesse sentido, o médico possui uma função determinada: identificar se o paciente deseja a cirurgia apenas devido aos padrões impostos pela sociedade ou se deseja realizar o procedimento para aumentar a própria autoestima. Nos últimos anos, houve mudanças tanto nas solicitações dos pacientes quanto nos posicionamentos de muitos profissionais.“Os jovens não procuram as cirurgias plásticas somente devido à preocupação estética. Sofrimentos emocionais agravados por restrições sociais autoimpostas podem justificar a correção cirúrgica”, diz um professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista feita pela própria instituição.
Existem milhares de pessoas que realizaram procedimentos estéticos para melhorar sua autoestima. Carla Jerke Hanauer, de 40 anos, explicou que realizou uma abdominoplastia por conta do excesso de pele resultante de suas gestações.
“Isso me incomodava muito! Resolvi, então, fazer isso para ter minha autoestima de volta. Confesso que não me arrependo em nada, hoje me sinto realizada e muito feliz”.
Carla também mencionou que tentou praticar exercícios físicos, mas buscava um resultado mais imediato devido às dores nas costas. “Foi a melhor coisa que fiz”, relata Carla após sua cirurgia.
Padrões de beleza afetando crianças
As crianças não aprendem os padrões de beleza na escola da mesma forma que aprendem a ler e escrever, mas, com o mundo digital explícito, elas estão desenvolvendo noção desse conceito. Elas observam muito, mesmo sem contato com a tecnologia. Percebem, por exemplo, que as bonecas vêm maquiadas, que parentes próximos falam muito sobre perder peso e que até os desenhos apresentam padrões de beleza da sociedade. Se uma criança assiste apenas a desenhos de princesas com o “padrão clássico e aceitável” de serem brancas, magras, com cabelo liso e comprido, o que ela terá como parâmetro de beleza? O mesmo acontece com narrativas que envolvem apenas super-heróis fortes, cheios de músculos, que sempre vencem no final de uma história.
Kamyle Vitória, de 20 anos, compartilhou sua experiência com o bullying que sofreu na infância e na adolescência por não se encaixar nos padrões estéticos. Ela decidiu que cultivar o amor próprio era essencial para superar as inseguranças e ainda ajuda outras pessoas que passam por situações semelhantes às que ela vivenciou. Kamyle se sente agora segura e confiante, aceitando a si mesma com carisma e simpatia, livre dos padrões sociais que antes a afligiam.
“Sempre tratei o mal com o bem, aprendi a ter amor próprio e isso me ajudou”, comenta Kamyle.
Hoje, muitas influenciadoras digitais estão promovendo um conceito mais realista, apesar dos padrões de beleza estarem enraizados há muitos anos. O movimento 'Body Positive' (positividade corporal), também em alta nas redes sociais, busca encorajar as pessoas a se aceitarem como são. Vivemos em uma época em que postar uma foto real, sem pele perfeita, com acnes e manchas, é um ato de coragem. No entanto, apesar da luta contra o padrão de beleza imposto à sociedade, ainda persiste a tendência de esconder e desvalorizar a beleza natural em favor de corpos irreais.
Os procedimentos estéticos podem ser uma escolha, mas não devem se tornar tão comuns a ponto de obscurecer a beleza natural do próprio corpo. A autoestima é um grande aliado da saúde mental e juntos influenciam um possível transtorno de imagem corporal. É possível manter a autenticidade sem perder o encanto e a beleza. Valorizar e promover a beleza e os corpos reais é o primeiro passo para valorizar a si mesmo.
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