Não é apenas a história de uma família de cantores, é a história da minha família. Crônica por Sabrina de Andrade
Desde que me lembro, a música está presente na minha vida. Sempre estive rodeada por ela, seja nas festas de família, onde fazíamos rodas de viola, ou até num fim de tarde quando meu pai pegava o violão para ensaiar a música que eu iria cantar no meu próximo festival. A música corre em nosso sangue, como se estivesse em nosso DNA, e essa tradição começou há muito tempo…
Um jovem de família humilde, em meados dos anos 1980, com seus 14 anos de idade, ao ver um dia a vizinhança reunida cantando modas sertanejas, aproximou-se e assistiu com os olhos brilhando aqueles homens tocando violões. Surgiu, então, a vontade de aprender a tocar aquele instrumento que tanto o cativou. Para isso, ele vendeu sua querida bicicleta e sozinho aprendeu a tocar: esse é o meu tio Luiz.
Logo, os outros três irmãos também aprenderam a tocar violão, cantavam para lá e para cá, e notaram que as vozes dos mais novos juntas formavam uma bela harmonia. Assim, nasceu a dupla Toni e Cido, formada pelo meu pai e meu tio.
"Com 16 anos de idade eu e meu irmão Cido participamos do nosso primeiro festival, na cidade de Capitão Leônidas Marques. Não nos classificamos, mas fomos bem. No mesmo ano, 1987, aconteceu um festival de composições próprias, meu irmão compôs uma música e conseguimos conquistar o primeiro troféu da dupla”, diz Tony Carlos.
As vozes dos dois ecoaram pelo interior do Paraná em diversos festivais, subiam aos palcos todos os fins de semana, voltando para casa, nem sempre com um troféu, mas sempre com os aplausos do público. Eles viviam intensamente o amor pela música, ganharam inúmeros festivais. Minha avó, por muitos anos, guardou todos os troféus em uma sala de sua casa que praticamente não tinha mais espaço. Lembro de olhar para eles quando criança e sentir orgulho. Eu podia ouvir a plateia, conseguia vê-los se curvando ao fim da apresentação em agradecimento. Era simplesmente mágico toda aquela história em uma sala.
Mas nem tudo eram flores. A vida na estrada era sofrida em busca de um sonho, lembra meu pai: “Naquele tempo era tudo mais difícil, como a gente não tinha carro, íamos de ônibus para os festivais, participávamos e nos hospedávamos em hotéis quando classificávamos; era uma vida sofrida onde a gente tinha que batalhar pelo sonho que tínhamos de cantar”.
Com os anos passando, os dois foram aprimorando suas habilidades. A primeira voz potente do meu tio casava perfeitamente com a segunda voz tecnicamente perfeita do meu pai, e os dois ascenderam à elite dos festivais regionais, não ficando de fora de um sequer. Adentraram também outros estados, como Santa Catarina, e ganharam um certo reconhecimento no meio.
No ano de 1997 veio a gravação do primeiro CD, o sonho de qualquer dupla que cantava em festivais, e os contratos para shows começaram a surgir. Os dois foram rumo a São Paulo tentar a carreira, como todo bom artista, e bem, acho que essa história é mais legal de se ouvir quando meu pai conta.
Anos se passaram, eu nasci, e a dupla entrou em hiato, voltando à ativa somente dez anos depois. Mas meu pai nunca deixou de cantar, pois ele sempre esteve envolvido com a música. Costumo dizer que ele é como um canarinho, o dia em que ele parar de cantar, terá algo muito errado.
“Eu nunca deixei de cantar, esse sempre foi meu intuito. Levar cultura e alegria para as pessoas é algo que temos em nossa família”, conta Tony.
Como eu disse, dez anos se passaram e “Tony e Cido” se tornaram “Tony Carlos e Andrade” – um nome mais profissional. Nessa época, lembro que meu pai passava a semana toda fora de casa; ele e meu tio viajavam todo o interior do Paraná vendendo CDs em busca do sonho de um dia ter seu talento reconhecido. “Conseguimos levantar uma grana de um CD que gravamos no estado de São Paulo, e fizemos algumas cópias para vender aqui no Paraná, já que ninguém conhecia ainda. Compramos uma van e saímos para vender e fazer shows. Não era fácil, dormíamos em postos de combustíveis e durante o dia visitávamos as cidades apresentando nosso trabalho. Visitamos 190 municípios nesses três anos de trabalho”, relembra Andrade.
A saudade apertava muito. Sempre fui muito apegada ao meu pai. O fim de semana não era mais aguardado por não ter aula e, sim, por tê-lo de volta. Quando eu estava na casa da minha avó e via a van deles chegar, corria para os braços dele imediatamente e recebia o melhor abraço do mundo inteiro.
Por fim, essa fase passou e a minha própria jornada de começar a competir em festivais começou. Lembro claramente do meu primeiro festival: meu pai havia escolhido minha música. Escrevia à mão para decorar e ensaiava com ele todas as tardes depois que ele chegava do serviço. Quando chegou o dia, estava ansiosa para subir ao palco. No auge dos meus 8 anos, ia estrear no meu primeiro festival. Para uma criança que cresceu no meio sertanejo, isso é muita coisa. Subi e cantei “Romaria”, de Renato Teixeira, e fiquei em 4º lugar. Mas meu pai estava orgulhoso e, para mim, era o que importava.
E bem, não cresci sozinha. Minha vida inteira foi dividida com um cara muito incrível chamado Felipe, que tenho orgulho de chamar de irmão. Ele sabe as melhores músicas de bandinha, conhece músicas antigas que nem seu avô sabe, e tem o gosto musical mais eclético do universo. Ele foi meu parceiro nessa aventura toda, e foi ele que me ensinou a gostar da minha família do jeitinho que ela é.
“Crescer em uma família de cantores foi uma experiência única e incrível, acabou moldando muito do meu caráter. Minha essência enquanto ser humano vem muito dessa influência, principalmente do nosso pai”, diz Felipe Antônio de Andrade.
Nós dividimos as mesmas memórias, hoje separados por muitos quilômetros de distância, tendo meu irmão do outro lado do Atlântico, na Irlanda, carregando a história da nossa família mundo afora. “Tenho muitas recordações da minha infância, do nosso pai nos levando para alguma festa, e toda essa tradição de reunir os amigos, assar carne e cantar a boa e velha música sertaneja, o carro-chefe da nossa família. Músicas que aprendi desde pequeno, e na minha realidade considero poesia”, destaca Felipe Andrade.
Essa história que começou lá atrás, com um menino que só queria aprender a tocar violão, gerou um legado que com toda a certeza não irá morrer, se depender de mim e do meu irmão. “Hoje eu gosto de cantar, gosto desse ambiente de povão, onde posso ser eu mesmo. É muito bom se tornar um homem e ser um espelho do que o seu pai foi alguns anos atrás e ainda é. Valeu muito a pena ter crescido em meio a essa família”, ressalta Felipe.
Hoje em dia, meu pai Tony e meu tio Cido seguem cantando. Eles ainda são uma dupla e fazem shows, porém não com tanta frequência. Deixo que meu pai conte para vocês:
“Meu irmão e eu gravamos nossa nova música de trabalho chamada ‘Presente de Deus’, que está tocando nas rádios. Através dela, estamos fazendo nossos shows, estamos na luta! Não temos empresário, a gente batalha por conta própria, mas é a paixão que a gente tem, está no sangue! É uma sensação muito boa cantar e levar alegria onde a gente passa”.
Quanto a nós, o que posso dizer é que somos feitos de amor e música. A música realmente corre em nosso sangue, e essa herança continuará viva através de nós.
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