Em baixo da sombra da mangueira, uma família compartilha momentos da vida
Ele chegou em meados de agosto, há quase uma década. Foi um presente de Dia dos Pais – escolhido pelas três filhas mais velhas e o filho mais novo – para o dono daquela casa amarela.
Era um início de tarde lindo, com raios de sol que escapavam por entre as nuvens e uma brisa fresca que balançava cabelos e tecidos de roupas. A família estava reunida para o almoço de domingo - tradição que era seguida desde que as primogênitas cresceram e saíram de casa, como uma forma de reuní-las para matar a saudade, pelo menos uma vez por semana - quando ouviram palmas vindas do portão.
Como de costume, o dono da casa se levantou da mesa e foi até a janela para ver do que se tratava o chamado. Ao colocar a cabeça para fora e cumprimentar o rapaz que aguardava impaciente, logo ouviu:
_ É aqui que o Agenor mora?
_ Isso mesmo. O que você precisa, meu jovem?
_ Vim fazer uma entrega, será que você pode abrir o portão?
Já sabendo que aquela entrega concernia a elas, as três meninas levantaram-se rapidamente, e foram atrás do pai - assim como o restante dos familiares fez em seguida.
Conforme os dois entregadores entravam no lote - um segurando cada ponta da mercadoria - os filhos, netos, primos e sobrinhos se juntavam na varanda para observar a movimentação.
_ Surpresa, pai!, uma das filhas falou.
_ Feliz Dia dos Pais!, disse a novata.
_ Nós te amamos muito, muito, muito!, complementou a mais velha.
O caçula, como ainda não sabia falar muito bem, apenas pediu pelo colo do pai e o abraçou. Em meio aos agradecimentos, podia-se notar lágrimas escorrendo pelas bochechas avermelhadas do Seu Agenor, que expressavam o amor e gratidão contagiosos daquele momento.
Todos estavam muito animados com o presente que, por ser muito grande, não estava embrulhado - havia apenas um grande laço vermelho por cima. Ele era feito de longas fasquias de madeira escura e tinha quatro pés de ferro que sustentavam o peso de pelo menos quatro pessoas.
No começo, não sabiam exatamente qual seria o local ideal para colocá-lo. O quintal, coberto pela grama mais verde existente, era enorme e tinha vários espaços potenciais para receber aquele presente. Foi então, analisando tudo aquilo que conquistara com anos de trabalho, que Seu Agenor teve a brilhante ideia:
_ Vamos colocar embaixo da mangueira.
A família toda assentiu e assim foi feito. Parecia que ele sempre pertencera àquele lugar - o banco de madeira fora feito para viver embaixo daquela árvore alta, de galhos grossos tomados por folhas largas de um tom verde musgo.
Mesmo com a vasta sombra que a copa da mangueira proporcionava, alguns raios de sol ainda escapavam pelas folhas, atingindo as faces alegres - assim como representava a cor daquele lar - das pessoas que iam se acomodando em uma roda de conversa. Seu Agenor, a esposa, a filha do meio e o mais novo, foram os que se acomodaram no novo presente. O restante se sentou na grama ou em cadeiras de praia. A família toda reunida passou o resto do domingo compartilhando histórias e risadas, simplesmente aproveitando a companhia um do outro.
Muito tempo se passara desde aquela tarde de agosto e, hoje em dia, a grama já não é mais tão verde; as longas tiras de madeira estão tomadas pela sujeira dos pássaros que pousam nos galhos da mangueira; e a ferrugem toma conta dos quatro pés de ferro, que não são mais tão perenes quanto eram no começo - assim como aquela família.
O mero assento que certa vez fora ocasião, hoje é apenas lembrança dos almoços de domingo que não acontecem mais.
Lembrança das longas conversas e risadas sob a sombra das largas folhas da mangueira. Lembrança do que a casa amarela costumava ser.
Talvez algum dia a névoa escura, que insiste em manter pais e filhos distantes, seja levada para longe por aquela mesma brisa que certa vez balançara cabelos e tecidos de roupas. Porém, certamente, o singelo banco já não terá mais forças e não estará mais lá para testemunhar.
Que nostalgia agridoce, onde a esperança de reconciliação persiste, mas a certeza da mudança inevitável do tempo é inescapável. Parabéns pelo texto, Ana Cecília.
Estou sem palavras!! Que crônica linda e cheia de sentimento. Com certeza vou voltar diversas vezes para reler
Tirar um tempinho para ler essa crônica foi como se aquecesse meu coração. Linda crônica!
A sensibilidade de abordar as memórias de uma família a partir de um objeto… Genial!