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Foto do escritorAna Cecília Muxfeldt

O banco da casa amarela

Em baixo da sombra da mangueira, uma família compartilha momentos da vida

Ele chegou em meados de agosto, há quase uma década. Foi um presente de Dia dos Pais – escolhido pelas três filhas mais velhas e o filho mais novo – para o dono daquela casa amarela. 

Era um início de tarde lindo, com raios de sol que escapavam por entre as nuvens e uma brisa fresca que balançava cabelos e tecidos de roupas. A família estava reunida para o almoço de domingo - tradição que era seguida desde que as primogênitas cresceram e saíram de casa, como uma forma de reuní-las para matar a saudade, pelo menos uma vez por semana - quando ouviram palmas vindas do portão. 

Como de costume, o dono da casa se levantou da mesa e foi até a janela para ver do que se tratava o chamado. Ao colocar a cabeça para fora e cumprimentar o rapaz que aguardava impaciente, logo ouviu:

_ É aqui que o Agenor mora?

_ Isso mesmo. O que você precisa, meu jovem?

_ Vim fazer uma entrega, será que você pode abrir o portão?

Já sabendo que aquela entrega concernia a elas, as três meninas levantaram-se rapidamente, e foram atrás do pai - assim como o restante dos familiares fez em seguida. 

Conforme os dois entregadores entravam no lote - um segurando cada ponta da mercadoria - os filhos, netos, primos e sobrinhos se juntavam na varanda para observar a movimentação. 

_ Surpresa, pai!, uma das filhas falou.

_ Feliz Dia dos Pais!, disse a novata.

_ Nós te amamos muito, muito, muito!, complementou a mais velha.

O caçula, como ainda não sabia falar muito bem, apenas pediu pelo colo do pai e o abraçou. Em meio aos agradecimentos, podia-se notar lágrimas escorrendo pelas bochechas avermelhadas do Seu Agenor, que expressavam o amor e gratidão contagiosos daquele momento. 

Todos estavam muito animados com o presente que, por ser muito grande, não estava embrulhado - havia apenas um grande laço vermelho por cima. Ele era feito de longas fasquias de madeira escura e tinha quatro pés de ferro que sustentavam o peso de pelo menos quatro pessoas.

No começo, não sabiam exatamente qual seria o local ideal para colocá-lo. O quintal, coberto pela grama mais verde existente, era enorme e tinha vários espaços potenciais para receber aquele presente. Foi então, analisando tudo aquilo que conquistara com anos de trabalho,  que Seu Agenor teve a brilhante ideia:

_ Vamos colocar embaixo da mangueira.

A família toda assentiu e assim foi feito. Parecia que ele sempre pertencera àquele lugar - o banco de madeira fora feito para viver embaixo daquela árvore alta, de galhos grossos tomados por folhas largas de um tom verde musgo. 

Mesmo com a vasta sombra que a copa da mangueira proporcionava, alguns raios de sol ainda escapavam pelas folhas, atingindo as faces alegres - assim como representava a cor daquele lar - das pessoas que iam se acomodando em uma roda de conversa. Seu Agenor, a esposa, a filha do meio e o mais novo, foram os que se acomodaram no novo presente. O restante se sentou na grama ou em cadeiras de praia. A família toda reunida passou o resto do domingo compartilhando histórias e risadas, simplesmente aproveitando a companhia um do outro.

Muito tempo se passara desde aquela tarde de agosto e, hoje em dia, a grama já não é mais tão verde; as longas tiras de madeira estão tomadas pela sujeira dos pássaros que pousam nos galhos da mangueira; e a ferrugem toma conta dos quatro pés de ferro, que não são mais tão perenes quanto eram no começo - assim como aquela família. 

O mero assento que certa vez fora ocasião, hoje é apenas lembrança dos almoços de domingo que não acontecem mais.

Lembrança das longas conversas e risadas sob a sombra das largas folhas da mangueira. Lembrança  do que a casa amarela costumava ser.

Talvez algum dia a névoa escura, que insiste em manter pais e filhos distantes, seja levada para longe por aquela mesma brisa que certa vez balançara cabelos e tecidos de roupas. Porém, certamente, o singelo banco já não terá mais forças e não estará mais lá para testemunhar.


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4 Comments


Alcemar Dionet De Araujo
Alcemar Dionet De Araujo
Jun 08

Que nostalgia agridoce, onde a esperança de reconciliação persiste, mas a certeza da mudança inevitável do tempo é inescapável. Parabéns pelo texto, Ana Cecília.

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dudanklok
Jun 08

Estou sem palavras!! Que crônica linda e cheia de sentimento. Com certeza vou voltar diversas vezes para reler

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rubiazamainomata
Jun 07

Tirar um tempinho para ler essa crônica foi como se aquecesse meu coração. Linda crônica!

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Júlia Oliveira Mourão
Júlia Oliveira Mourão
Jun 07

A sensibilidade de abordar as memórias de uma família a partir de um objeto… Genial!

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